Epoca

MONICA DE BOLLE

MONICA DE BOLLE É PESQUISADORA SÊNIOR DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA UNIVERSIDADE JOHNS HOPKINS M.B. mbolle@edglobo.com.br

Ruptura

Otítulo de minha última coluna para ÉPOCA é o mesmo de meu livro lançado em 2020 sobre a pandemia. A pandemia trouxe rupturas diversas, mas não é disso que irei tratar. Preferi me despedir de vocês, leitores, trazendo para cá as rupturas que marcaram o último ano para mim, lembrando que encerramentos são sempre uma oportunidade para abrir espaços para o novo. No meu caso, o novo envolve uma abertura, a partir da economia, para as ciências biomédicas e para a saúde pública, duas áreas que venho trazendo para meu campo de pesquisa por meio de estudos e que pretendo aprofundar à frente. Para isso, preciso de tempo. Sobretudo de um tempo mais pausado, mais leve, menos amontoado, menos cheio de distrações diversas. Preciso também de tempo longe do debate público brasileiro, no qual estive ao longo dos últimos 11 anos, boa parte deles aqui neste espaço.

Queria dizer a vocês, leitores, que rupturas não significam, necessariamente, descontinuidades. No meu caso a ruptura profissional não é com a economia, mas com a análise apenas da economia. Desde o início da pandemia tenho me preocupado em ampliar minha área de estudos e conhecimento juntando a economia, a saúde pública e áreas de biomédicas que me fascinam — uma dessas áreas é a imunologia, à qual me dedicarei intensamente a partir do terceiro trimestre deste ano. A abertura desse espaço construída no último ano foi fundamental para o desenvolvimento de um programa de pesquisa interdisciplinar no Peterson Institute for International Economics (PIIE), onde trabalho. Até a pandemia, nossa produção acadêmica sempre havia sido orientada por temas relativos ao comércio internacional, à globalização, ao entendimento dos fluxos de capitais mundo afora, à influência das políticas macroeconômicas na economia global, e por aí vai. Desde a pandemia, entretanto, temos incluído temas de saúde pública em nossas publicações, o que é revelador das transformações no debate econômico global provenientes dessa crise humanitária.

Não apenas nós, mas também o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, além de outros institutos de pesquisa, têm procurado trazer a saúde pública para o centro do debate. Dia desses, a convite do jornal Washington Post, participei de uma mesa redonda fechada com a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva.

Boa parte da discussão tratou das vacinas, de como distribuí-las não apenas de forma mais equitativa, mas também de forma mais eficiente. Artigo recente de minha autoria publicado no site do PIIE trata precisamente dessa questão, das mais importantes atualmente tanto do ponto de vista da saúde quanto da economia. Haverá uma reconfiguração inevitável, uma ruptura, no debate econômico internacional, cada vez mais preocupado com as agendas gêmeas meio ambiente e saúde pública. Minha ruptura pessoal tem por objetivo municiar-me para esses novos tempos.

Apesar do governo brasileiro, as vacinas chegarão ao Brasil. Haverá percalços, é claro. O país terá um calendário difícil pela frente, marcado pelas eleições de 2022. Acompanharei os debates em alguma medida à distância.

Deixo com vocês uma reflexão final sobre o tempo. Há tanta coisa para pensar, tantas adequações a serem feitas, tanta dor e tragédia para absorver, tantos ciclos a encerrar. É importante não se deixar perder na turbulência das redes sociais, no amontoado de vozes, na indignação e na frustração alheias. A ruptura que lhes proponho após o término desta coluna é o distanciamento das redes. Distanciamento, apenas. Não é preciso cortá-las de todo.

Agradeço a todos vocês, leitores, pela companhia ao longo dos últimos anos. Agradeço a ÉPOCA, que me concedeu este espaço para escrever sobre o que bem entendesse em uma coluna supostamente de economia. Dessa abertura não convencional sentirei falta. Agradeço, por fim, aos editores pela paciência com textos que sempre excederam os limites previamente estabelecidos.

Para os que quiserem continuar a acompanhar meu trabalho, publicações futuras estarão no site do PIIE (www.piie.com).

Para os leitores que estão no Brasil, falar em novos tempos pode parecer algo longínquo, inalcançável, até. Mas, asseguro-lhes: não é. Governos mudam, políticas públicas passam a ter outras prioridades, vacinas chegam.

SUMÁRIO

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2021-05-31T07:00:00.0000000Z

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