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CONTAS NO VERDE

O sucesso da emissão de um título atrelado a metas ambientais atesta a preocupação de empresas, fundos e investidores com a sustentabilidade

por Vitor da Costa

O sucesso da emissão de um título atrelado a metas ambientais atesta a preocupação de empresas, fundos e investidores com a sustentabilidade

Não, não importa que uma certa boiada continue passando: a preocupação com a pauta ambiental é cada vez mais frequente no mercado financeiro. Empresas, fundos e investidores levam em conta essa temática no momento de realizarem seus negócios e de posicionarem suas marcas.

As chamadas “práticas ESG” — sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa, ou environmental, social and corporate governance —, usadas na medição da sustentabilidade e do impacto social de um investimento em uma companhia, nem chegam a ser uma novidade: já são discutidas há anos.

No entanto, novas formas de arrecadar dinheiro com o mercado sustentável vêm surgindo e sendo aproveitadas pelas empresas, inclusive brasileiras. Entre elas estão as emissões de dívidas que atendam a critérios de sustentabilidade ambiental, os chamados sustainability-linked bonds (SLB).

Eles são os astros do momento nessa frente financeira. Andam em alta e deverão bater recordes em 2021. De acordo com as projeções do banco sueco Skandinaviska Enskilda Banken (SEB), o montante arrecadado com esse tipo de captação deve ficar próximo de US$ 88 bilhões.

Segundo relatório da instituição, só no primeiro trimestre deste ano as emissões de SLB somaram US$ 12,7 bilhões — montante que supera toda a arrecadação do segmento em 2020. Se for considerado o total das outras modalidades verdes de captação, o valor sobe para US$ 1,178 trilhão até o fim deste ano. Entre janeiro e março, as emissões dos fundos verdes alcançaram US$ 378 bilhões, quantia equivalente a quase metade do volume desse mercado no ano passado, que ficou em US$ 757 bilhões.

O SEB foi responsável por desenvolver, entre 2007 e 2008, junto com o Banco Mundial, o conceito de green bond — título verde. O termo costuma ser utilizado de maneira genérica para designar todos os tipos de emissões, mas há diferenças.

No caso dos green bonds, os recursos adquiridos pelas companhias com a emissão de uma dívida são carimbados para projetos específicos, previamente acordados durante a negociação. Já com os SLBS, determinada empresa emite sua dívida no mercado, como em qualquer outra operação de debêntures, porém se comprometendo com certas metas sustentáveis. Caso essas promessas não sejam cumpridas até o vencimento do papel, a companhia que emitiu a dívida sofre penalidades, sendo o aumento da taxa de juros que deverá pagar aos investidores a mais comum.

Na opinião do conselheiro de Clima e Finanças Sustentáveis do SEB, Kristoffer Nielsen, as emissões verdes estão aumentando em virtude das aceleradas discussões sobre a necessidade de mudar o modelo econômico atual. Para ele, o momento é o melhor possível para esses produtos financeiros. “A pandemia teve um efeito imediato e significativo no mercado de títulos sociais e de sustentabilidade, ainda que em menor medida. A União Europeia, fundos supranacionais e as agências governamentais emitiram títulos sociais com o objetivo de combater os efeitos da Covid-19”, afirmou Nielsen.

As projeções do SEB ficaram ainda mais otimistas após sinalizações do bloco de futuras emissões na casa dos € 225 bilhões. A presidente do banco central europeu, Christine Lagarde, chegou a afirmar, neste mês, que o continente precisava criar uma união de mercado de capitais verdes.

As emissões dos SLB têm sido feitas majoritariamente por meio de corporações; todavia, com diversificação de setores — de empresas de alimentos, como a Pilgrim’s Pride, a uma Hennes & Mauritz, do ramo da moda, passando pelas telecomunicações, com a Lumen Technologies, e até a mineração, caso da Constellium. Em setembro do ano passado, a Suzano, fabricante de papel e celulose, foi a primeira

companhia brasileira a emitir uma captação desse tipo, e a segunda no mundo, depois da italiana Enel.

No caso da Suzano, a oferta, feita no exterior — há a opção do mercado interno —, foi de US$ 750 milhões para papéis de dez anos. O yield, que é o retorno pago aos investidores, ficou em torno de 3,95% ao ano. A empresa se comprometeu a reduzir em 10,9% as emissões de gás carbônico, levando em conta a média de 2024 e 2025, em comparação com 2015. Se a meta não for cumprida, o juro do papel será acrescido de 0,25 ponto percentual a partir de 2026. Devido ao sucesso obtido, a fabricante decidiu reabrir a emissão em dezembro, conseguindo captar mais US$ 500 milhões. A taxa de yield foi de 3,10% ao ano.

Segundo o diretor executivo de Finanças, Relações com Investidores e Jurídico da Suzano, Marcelo Bacci, a companhia passou por um longo processo de amadurecimento até optar pelos SLBS — ela já havia emitido green bonds anteriormente. Bacci afirma que o resultado foi surpreendente, ressaltando que enxerga mais benefícios no uso dos SLBS. A empresa ainda realizou outro tipo de emissão neste ano, o sustainabilitylinked loan, que são empréstimos atrelados ao cumprimento de metas verdes e sociais. Cerca de um terço da dívida da empresa está atrelada a títulos verdes.

Em janeiro deste ano, foi a vez da concorrente Klabin lançar um título de mesmo tipo. A emissão de US$ 500 milhões, também realizada no exterior, teve uma demanda mais de dez vezes superior ao volume captado, o que é positivo para a companhia, uma vez que terá de entregar um juro menor aos investidores. A fabricante pagou um yield de 3,20%, o menor de todos os tempos entre empresas de idêntico rating, conforme atestou o diretor financeiro da Klabin, Marcos Ivo. “Temos na nossa história uma preocupação com a questão da sustentabilidade. As decisões aqui levam em conta isso. Então, quando o mercado de capitais começou a prestar atenção a esse fato, nós unimos as duas coisas”, destacou Ivo.

Os SLBS da Klabin estabelecem três metas a serem cumpridas até 2025: a redução do consumo de água por tonelada de produto, o aumento do percentual de reúso e reciclagem e a reintrodução de duas espécies extintas ou ameaçadas nos biomas onde os processos da companhia ocorrem.

Alexei Bonamin, sócio na área de mercado de capitais do escritório Tozzinifreire Advogados, tal gênero de captação está longe de ser apenas uma onda passageira; é “uma resposta do universo financeiro às demandas da sociedade na área ambiental”. Segundo o especialista, a escolha por um tipo de bond vai variar de acordo com os objetivos de cada companhia e investidor. “Estamos ainda em uma transição para uma economia de baixo carbono. É natural termos instrumentos diferentes e empresas e investidores em estágios distintos”, ressaltou Bonamim.

De acordo com o gestor da fintech, Vitreo Rodrigo Knudsen, as emissões de SLBS permitem às companhias “unirem o útil ao agradável”, já que podem captar dinheiro para injetar no próprio negócio, em vez de investirem em projetos específicos, além de estarem se comprometendo a fazer algo em favor do meio ambiente. “Para o investidor avaliar se é uma boa opção financeira ele tem de verificar quanto a empresa vai dar a mais de taxa caso não cumpra o acordo e o que ela vai fazer em relação ao meio ambiente. É preciso ainda ter cuidado com as tentativas de greenwashing, quando as companhias se comprometem com metas fáceis de serem atingidas e oferecem uma penalidade pequena se não a cumprirem”, explicou Knudsen.

Investidores estrangeiros até aceitam receber um juro menor, pois, em contrapartida, estão alocando recursos em um projeto pelo qual a sociedade vai se beneficiar a longo prazo — algo mais difícil de encontrar no Brasil.

Nesse cenário, a Suzano, por exemplo, teve captações positivas no exterior no final do ano passado. De sua parte, a Natura concluiu, no início deste mês, a captação de US$ 1 bilhão em SLB no mercado internacional — foi a maior emissão desse tipo de papel na América Latina. Com vencimento em 2028, o produto teve retorno de 4,125%. A demanda pelos papéis superou em quatro vezes a oferta. “A emissão de um título atrelado a metas de sustentabilidade mostra ser possível alinhá-las a objetivos financeiros”, resumiu Viviane Behar, diretora de Relações com Investidores de Natura &Co.

A empresa se comprometeu com metas de prazo mais longo, estipuladas até dezembro de 2026, e que serão verificadas mais perto do vencimento do papel. Em razão disso, a penalização, em caso de não cumprimento, será maior: aumento de 0,65 ponto percentual da taxa de juros a partir de novembro de 2027. A Natura se comprometeu a reduzir, até 2026, a intensidade relativa das emissões de gases de efeito estufa em 13% e quer atingir 25% de plástico reciclado. Desde 2007, a Natura é uma companhia de carbono neutro.

Embora se destaquem, as operações com SLBS não vêm ocorrendo somente fora do país. Em dezembro do ano passado, o Grupo Boticário emitiu aqui R$ 1 bilhão em sustainability-linked bonds, concretizando o primeiro procedimento do tipo no mercado brasileiro.

As metas do grupo procuram garantir, até 2025, 100% de consumo de energia elétrica renovável em suas fábricas de São José dos Pinhais, no Paraná, e Camaçari, na Bahia, e nos centros de distribuição em Registro, São Paulo, e São Gonçalo dos Campos, também em solo baiano. Outra meta prometida: que 100% de resíduos sólidos sejam reciclados no processo.

“Por uma questão de filosofia de vida mesmo, parte dos investidores vai deixar de colocar seus recursos em algumas empresas; isso sempre houve. Hoje, vemos essa preocupação com a sustentabilidade pesando forte; contudo, no passado existiram investidores que colocavam uma série de restrições a determinados setores, como o de bebidas alcoólicas e armas, por exemplo”, observou Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Ela frisou que a discussão sobre os fundos verdes ainda engatinha no Brasil se comparada com o estágio na Europa, o que significa, naturalmente, espaço para crescer. Entretanto, Yoshinaga fez uma ressalva: “O mercado brasileiro de dívida é muito voltado para investidores institucionais qualificados. Não tem muito mercado secundário. Isso vai, de algum modo, frear um pouco esse avanço dos SLBS”.

Bonamin, do escritório Tozzinifreire Advogados, também vê espaço para evolução desses investimentos no país, no entanto, expõe outra visão do que deverá ocorrer: “No futuro, o que causará estranhamento será uma operação não ter conexão com práticas sustentáveis. Todas vão abrigar algum componente ESG. Não tem como o mundo mudar se a forma de captação de recursos também não mudar”.

Redução do consumo de água por tonelada de produto, o aumento do percentual de reúso e reciclagem e a reintrodução de espécies ameaçadas estão entre as metas propostas por empresas na captação de recursos no exterior

SUMÁRIO

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2021-05-31T07:00:00.0000000Z

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